skip to main |
skip to sidebar
O Ícaro Torto
Não foi apenas nas navegações marítimas que Portugal foi pioneiro. Nas travessias aéreas também. Já em 1540, João de Almeida Torto, em Viseu, de onde era natural, conseguiu realizar o primeiro voo do mundo, num aparelho da sua invenção e movido pela força muscular do piloto. Em 20 de junho de 1540, João de Almeida Torto, mestre barbeiro com carta de sangrador, astrólogo e mestre de primeiras letras, exercendo também o mister de escrever cartas familiares e de amores (estas pelo dobro do preço) mandou distribuir pela cidade o seguinte pregão:"Saibam todos os senhores habitantes desta cidade, que não terminará este mês sem se ver a maior das maravilhas, a qual vem a ser um homem desta cidade voar, com asas feitiças, da Torre da Sé ao Campo de São Mateus, pelo que responde por sua pessoa e bens. - João de Almeida Torto". Esta notícia - publicada no Comércio de Viseu (2/2/1922), do qual me estou a servir para escrever esta crónica - alvoroçou a cidade toda e cada qual dos seus habitantes esperava com ansiedade a ocasião de ver tão estupenda maravilha. A pedido da mulher, impôs-lhe (ao Torto) o juiz do Povo a obrigação de fazer testamento em benefício dela, pois, como filhos não havia, era para os irmãos se tal não fizesse. A pobre mulher tanto lastimava aquela doidice, que a muita gente comoveu, mas todos tinham no pobre louco confiança do bom êxito da empresa. Na véspera, algumas pessoas acompanhadas do Juiz do Povo dirigiram-se a casa do inventor e pediram que lhes mostrasse o seu maravilhoso invento. O Torto não só mostrou, mas deu categóricas explicações do modo de obrar e do fim que tinha cada uma das peças. As asas eram de pano forte e duplas, isto é, eram duas em cada lado, sendo menores as inferiores e assemelhavam-se a uma asa de ave. Estas duas asas estavam ligadas por três argolas de ferro, enchumaçadas em trapos e era por elas que o Torto devia meter os braços. Além disso estavam ligadas, pela parte superior, por duas dobradiças de ferro e pela parte inferior por um cinto de cabedal. Os sapatos eram de solas tríplices, havendo entre elas espaços para atenuar a queda. Tinha também um barrete do feitio de uma cabeça de pássaro, com um bico enorme e aberto. O inventor levou a sua complacência a vestir o aparelho e a elevar-se alguns pés acima do solo e dar assim uma volta ao quintal. No dia seguinte, ainda a aurora não tinha despontado e já o Campo de São Mateus estava coberto de espectadores que vinham dos povos e quintas circunvizinhas, e o adro cheio de gente da cidade. Às 4 horas era enorme a multidão de povo. O novo Ícaro subiu à torre da Sé e para lá guindou por uma corda o seu aparelho, sendo neste serviço coadjuvado por algumas pessoas. A mulher fica à porta da capela de Nossa Senhora dos Remédios, contemplando tristemente todas as manobras. O homem, às 5 horas, precisamente, já preparado, saltou da torre fazendo manobrar as asas, descreveu demoradamente uma linha inclinada, tomando por mira a Capela de São Mateus. Foi bem até certo ponto, mas uma das asas deixou de trabalhar e o barrete caindo-lhe sobre os olhos o fez descrever uma linha em arco e sempre descendente até que ficou em pé sobre o telhado da capela de São Luís, mas logo caiu ficando sobre as asas. Dali o tiraram sem sentidos. Desembaraçando-o do aparelho viu-se que tinha o braço esquerdo deslocado no ombro e em volta da cintura a impressão do cinto. Um dos sapatos desaparecera na trajectória. Uma das dobradiças tinha emperrado de tal forma que nem a martelo se pode dobrar. O homem voltou a si, duas horas depois, sem o menor sinal de juízo e tolo morreu dias depois. De qualquer maneira, o nosso Torto colocou seu nome na História, e Portugal pode se orgulhar de ter um verdadeiro pioneiro da aviação. Hoje, Torto estaria a voar numa Asa Delta sobrevoando o mundo.
Sem comentários:
Enviar um comentário